Wednesday, May 03, 2006


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Quando Você Percebe Que Se Alguém Nasceu Com A Bunda Virada Pra Lua, Esse Alguém Não É Você.

Tá, desde sempre o meu emprego dos sonhos foi ser herdeira.
Vida boa boa, com tempo e dinheiro pra estudar as coisas que realmente me interessam, viajar pelo mundo, não ter gastrite, etc etc e etc.

Mas esse emprego é demais de difícil de conseguir. Herdeira, ou você nasce ou não nasce. Né não?

Não.

... coisas que não costumam acontecer por aí...

A Mara trabalha aqui comigo. Ela é divertida demais e vezenquando beira a insanidade.
Anteontem recebeu um telefonema enigmático.
O tio, todo feliz com a possibilidade de ter encontrado uma mina de ouro, ligou pra pedir sua ajuda:

- Dr. Willys, um antigo amigo da família, quer conhece-la.

O velho é, resumindo, podre de rico e solitário. A esposa faleceu há um ano e o filho que até então morava com ele faleceu há duas semanas. O outro filho mora em Paris.
Sobrou o velho, já sem grandes compromissos pra se entreter e agora sem parentes próximos pra infernizar.
À beira do desespero recorreu ao tio da Mara:

- Preciso de companhia.

Tá, companhia não foi a palavra, naquele momento, utilizada. Governanta.
Mas uma daquelas multiuso, que cuidaria da casa controlando os empregados, pagaria as contas, faria companhia e de vez em sempre o acompanharia nas suas viagens pra visitar o filho e monitorar o andamento das suas empresas em outras cidades.

O salário? R$ 3.000,00 - livres e negociáveis.

E a Mara, é claro, foi. Fez escova no cabelo, colocou um terninho pra parecer séria e capaz de cuidar da vida alheia mas, cabreira, chamou um dos sobrinhos pra leva-la de carro e esperar até que a coisa toda fosse acertada.

- Se eu demorar mais que 1h, ligue pra polícia. - foi a instrução passada.

A mansão é assustadoramente grande. Os móveis são antigos e pesados e há uma cadeira elétrica no escritório. Nas paredes, dezenas de espingardas e afins equilibram-se lado a lado. Excentricidades de um velho milionário.

Ele a recebe na cadeira de rodas elétrica. Apresenta a sala de estar e de jantar, abre a porta do jardim e aponta pra piscina que possui uma pequena cascata.

- Como você veio até aqui Mara? De táxi? Tenho alguns carros disponíveis na garagem, escolha um e vá para casa, eu peço que eu alguém vá buscar amanhã.

Ela tenta ir direto ao assunto. Quer saber do que se trata e se o valor do salário é aquele mesmo.

- Ahn, obrigada, mas vim com o meu sobrinho, ele está me esperando lá fora. Bom Sr. Willys, eu vim aqui a pedido do meu tio e ele disse que o senhor precisa de alguém que o auxilie com assuntos da casa, certo?

- Exato. Bom, ele deve ter comentado com você a respeito do salário, não?! A princípio são R$ 3.000,00, mas podemos negocia-lo.

- ...

- Você acha que R$ 5.000,00 está bom?

- Ahn, sim, quer dizer, acho que sim, mas... quais seriam exatamente as minhas funções?

Ele hesita alguns instantes. É nessa hora que ela percebe que o velho de tão velho ronca acordado. E ronca mesmo, não é respiração pesada, é um monstro que urra naquela garganta.

- Veja bem, com relação à casa e às despesas eu não tenho muitos problemas. Eu preciso é de companhia, alguém que me acompanhe nas viagens ao exterior, ao Rio de Janeiro, que durma na minha casa pra que eu tenha a quem recorrer quando for preciso.

Até aí a coisa ia bem, quer dizer, ganhar uma bolada dessas pra fazer absolutamente nada? E ele continuou:

- Quando você teve sua 1ª relação sexual?

- Ahn? Eu? Primeira? Faz tempo né, ahn, ...

- Você tem namorado Mara?
- Quando foi sua última relação?
- Você é carinhosa?
- Não quer se sentar ao meu lado?
- Qual a sua verdadeira orientação sexual?

Aí desembesta. O velho, excitado com todas aquelas informações essenciais pra contratação de uma governanta, deixa a dentadura passear pela sua boca. Vezenquando quase engasga com a própria língua e dá a impressão de que vai cuspir aquela dezena de dentes no colo de alguém. a Mara, que a essa altura já tinha perdido qualquer orientação, sexual ou não, mal consegue respirar e tentar responder, secando o suor das mãos. O questionário dura uns 2 ou 3 minutos. Sem reação, ela não consegue responder a nenhuma pergunta. Engasga, pigarreia, tosse, e a cada titubeada ele manda um questionamento pior que o anterior.

Ela se levanta, diz que seu sobrinho está esperando e vai ficar preocupado, quer ir embora.

É então que ele pede que ela espere, pois quer que conheça alguém.

- SABÁ! SABÁ! Querida! Sabá!

Do corredor é possível escutar a respiração ofegante. Uma das empregadas abre a porta da sala onde estavam e com um sorriso maligno dá passagem à querida Sabá.
Uma dogue alemã, cinza, com pelo menos 150 kilos.
Ela entra, pesada e babada e, desconfiada, pára em frente à Mara. Enquanto uma respira pesadamente, a outra não consegue soltar o ar que tem em seus pulmões.

Agora são dois, eles roncam e parecem se deliciar com a situação. Eles realmente se entendem.

- Mara, essa é a Sabá! Encoste nela, vamos! Encoste nela!

Ela começa a erguer os braços.

- Mas não erga os braços! A Sabá é treinada, se alguém fizer movimentos bruscos perto de mim ela avança.

Mara se encolhe. Está claro que existe uma tensão entre as duas. Não, elas não estão dispostas a dividir o mesmo aposento e muito menos a mesma fonte de renda.
O velho, sentindo a sua superioridade no momento em que é disputado pelas duas fêmeas, pergunta:

- Você começa amanhã?

- Doutor Willys, eu não sei qual foi a expectativa que o meu tio criou, mas o senhor sabe que eu estou trabalhando, tenho minha vida... é difícil abrir mão de tudo isso de uma hora para a outra...

- Ora, mas é esse o problema? Mara, minha querida, não se trata de abrir mão das suas coisas. Mude-se para cá, traga suas coisas, continue trabalhando, faça um curso se quiser. Você gosta de churrasco? Eu posso mostrar a piscina a você, a churrasqueira, a pequena quadra que tenho nos fundos... traga seus amigos, faça algumas festas, vá ao trabalho, não altere sua rotina. Pra mim o importante é que você se sinta bem enquanto morar aqui, e me acompanhe às viagens e às pequenas formalidades.
Quer escolher um carro agora? Prefere que eu deixe o motorista à sua disposição ou gosta de dirigir? Mara, minha flor, o problema é o salário? Vamos negociar, vamos negociar. Preciso de uma companheira, alguém que me ajude, que me dê carinho. Senta aqui perto de mim Mara. Bem perto, preciso de alguém muito perto. Dorme comigo Mara? Preciso de alguém aqui. Mara, Mara, Mara...

Antes que ela não conseguisse mais disfarçar o nervosismo e desse de cara com aquilo que ela não queria encarar no colo do velho, se levanta e, com calma pra não agitar a Sabá, começa a caminhar em direção à saída. Passa uma sala e outra, atravessa um corredor, tenta lembrar o caminho que fez pra chegar até ali e finalmente encontra a saída. A cada passo dado escuta o zzzzzzzzuuuummmmm do motorzinho da cadeira de rodas atrás dela e quase sente o bafo quente da cachorra que caminha vitoriosa no cangote.
Pela primeira vez sente que o velho perdeu o controle da situação e começa a se enrolar. Ele tenta pedir que ela fique, mas provavelmente não é dado a pedir muita coisa por aí. Acaba saindo como uma ordem e se arrepende em seguida, com a certeza de que a cadeira de rodas não é suficientemente rápida pra correr atrás daquela que seria sua dama de companhia, sua nova amante e governanta.

A porta se fecha. Do lado de dentro, o velho acaricia a cabeça da cachorra que com ar de triunfo baba no tapete de um milhão de dólares.

- É Sabá, acho que alguma coisa deu errado. De novo.

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A Mara? Continua trabalhando aqui na minha frente, doida que só ela.

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E agora nós estamos a procura de jovens bonitas interessadas em renda fácil. Emprego dos sonhos: agenciadora de herdeiras.


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1 comment:

Anonymous said...

orra, por um minuto, assim de relance, sem pensar direito, dá até vontade de aceitar um trampo desses! mas tava bom demais pra ser verdade....o velho tinha que pedir uns chamegos e ainda ir atrás dela com a cadeira, com o cachorro...ahahaha eu ia rir de nervoso. queria ter visto essa cena.